DIÁRIO DE UM ARCO-ÍRIS

Segunda-feira

Acordei com Drummond na cabeça.
Os ouvidos passarelavam, num silêncio: pra-lá-pra-cá,
e era o silêncio dos olhos que lhes dava a direção do som que,
de alguma forma poética, existia.
É possível que Bandeira fosse meu convidado pro café-com-pão.
Não me lembro. Esta breve lembrança já anoitecia.

Terça

Amanheci. E olhei paredes como primeiro ato;
talvez, brechtiniano.
Alguns sonhos aí se iniciavam: !parto do renascer!
E me senti feliz pelo "power-flower" do reinício.
Redundância e aquiescência do estar vivo.
Chovia na minha cabeça, água de verão
gostosa de banhar, até meu pulo "up".
Será isso o desejo do anoitecer? Mas, não sei.
Tenho insônia pois perdi um Rimbaud.

Quarta-feira

O telefone me abre os olhos e um sorriso.
Canto o reencontro vindo da sincronia; puro fato do existir.
Sublimei o primeiro ‘allegro’ da manhã, calçando as sapatilhas,
e já Satie me chamava pra dançar.
Alguns passos começamos a rabiscar no assoalho,
leve movimento adiado pela hora.
Já era tarde. Já é noite. "Nessun dorma".

Quinta e Sexta

Talvez sábado ou quem sabe domingo eu poderei refletir
essas quarenta e oito horas que ainda passarão.
Por mim. Em mim. Comigo.
Fizemos um pacto de recordação:
Sem falta. Ao crepúsculo. Ouço Bach.

Sábado e Domingo

Cumpri o número mágico ‘once more’, vez mais:
Namorei os Discursos Amorosos com meus olhos
e os Baobás com minhas mãos.
Missão curtida. Tão plena. Tão bela. Sagrada.
Russel e Clarice dormem comigo.

(17/04/83)

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